Dom Helder Camara: profeta-peregrino da justiça e da paz

Pe. Dr. Edvaldo M. Araujo
Pe. Dr. Edvaldo M. Araujo.

Neste último sábado participei de um debate com o Pe. Dr. Edvaldo M. Araújo. Ele é autor da primeira tese de doutorado sobre as implicações teológicas da prática profética de Dom Helder Camara. Dizer que a prática de Dom Helder é profética já é por si só uma afirmação controversa. Pelo menos, o é quando se leva em consideração a ortopraxis dos grupos conservadores que lhes são contemporâneos. A teologia, como intellectus fidei, uma proposta lógica e racional da sistematização da fé, sofre disputas como qualquer outra ciência, mesmo que a afirmação de que teologia seja uma ciência pareça algo dificultoso de se sustentar tendo como referência a formalidade cartesiana e um tanto positivista da ciência moderna. Mas, meu objetivo aqui não é esse. Não sou teólogo. Os pormenores teóricos que discutem os esquemas cabíveis dentro da regula fidei já foram defendidos por excelentes teólogos.
Meu interesse tem muito mais a ver com a ciência social. É um interesse que tem por objeto as articulações tanto intraeclesiais como as extraeclesiais.
Livro de Pe. Edvaldo M. Araújo
Livro do Pe. Edvaldo M. Araújo
É interessante citar algumas coisas: 1) como sacerdote na Arquidiocese de Fortaleza, foi responsável pelo movimento operário da Arquidiocese e diretor do Departamento de Educação do Estado do Ceará; 2) nos anos de 1952-64, já na Arquidiocese do Rio de Janeiro, como arcebispo em 1955, D. Helder participou direta e ativamente na criação e consolidação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), onde exerceu o cargo de 1º Secretário Geral (1952-1964) ao mesmo tempo em que era Assistente da Ação Católica Brasileira; 3) criação do Coselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) em parceria com Dom Manuel Larrain, bispo de Talca Chile. D. Helder teve presença em todas as Conferências dessa instituição (Rio de Janeiro em 1955, Medellín em 1968 e Puebla em 1979);  4) apostolado junto aos favelados do Rio de Janeiro, organizando três empreendimentos junto a esses: A Cruzada São Sebastião (1956), sobre o problema da habitação popular, o Banco da Providência (1959), para as necessidades financeiras e o Centro de Integração Social Emaús, para reabilitação de "marginais"; 5) Dom Helder teve participação importante nos bastidores do Concílio Vaticano II, orgnizando e participando de dois grupos: "Domus Marie" e "Igeja dos pobres"; 6) colaborou de forma decisiva para que a Igreja no Brasil, após os anos de 1960 assumisse uma inserção progressiva na realidade do empobrecido, fazendo uma opção decisiva por este, trabalhando não só por, mas, principalmente com e a partir de sua ótica, tendo como significativos exemplos: o MEB (Movimento Educacional de Base) e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
Uma nova fase inicia-se com a nomeação de Dom Helder como Arcebispo de Olinda e Recife (1964-1985). Todos sabemos que nesse período o Brasil estava sob o comando de uma ditadura militar. Dom Helder se destaca na defesa dos direitos humanos. Nesse período, Dom Helder confronta-se com dois tipos de tensões: extraeclesiais e intraeclesiais. A tensão extraeclesial ocorre em confronto com o governo militar e seus defensores, principalmente pelo fato de Dom Helder denunciar as torturas e injustiças do regime. As tensões intraeclesiais ocorrem principalmente em confronto com a linha conservadora da Igreja católica brasileira que tem como protagonistas Dom Sigaud e o movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP).
Frase célebre de Dom Helder
Frase célebre de Dom Helder
São essas tensões que despertam maior interesse. Do ponto de vista intraeclesial, o que pautava a ação de Dom Helder era a própria Doutrina Social da Igreja que para ele não devia ser um instrumento de aplauso e louvação tão somente, mas sim, repercutir na prática e ser contextualizada na realidade. A disputa da eclesiogênese da Igreja brasileira pode ser percebida de uma maneira mais profunda nesta obra.
A opção da Igreja pelos pobres coloca uma questão política inerente a esta opção: a pobreza é resultado de processos históricos que constroem relações sociais de exploração sustentadas pelo poder econômico e político. Portanto, a opção aos pobres tem desdobramentos práticos: a opção pelos pobres é uma opção contra os exploradores, cujo os quais, são os protagonistas e os agentes econômico-políticos que sustentam essa situação de exploração e pobreza. Não há, por essa perspectiva, a dissociação entre fé, vida e política. O compromisso cristão é um compromisso objetivo, histórico, em favor dos desfavorecidos. Dom Helder é a mais fiel materialização disto.
No campo extraeclesial, a perseguição da ditadura decretou um silêncio profundo a Dom Helder, uma verdadeira morte civil. Isto não o impedia de falar às tantas outras nações em suas inúmeras conferências. As quatro indicações ao Nobel da paz e a intervenção direta do governo militar brasileiro para que não recebesse o prêmio não o impediu de ser a referência da luta pela paz no mundo. Isto é evidente quando os movimentos populares, organizados globalmente, lhes concedem o Prêmio Popular da Paz em Oslo, Noruega e em Frankfurt, Alemanha. Grande coragem e uma incansável luta pela organização dos mais pobres.
Esta incansável luta, dele e tantos outros, era a manifestação daquilo que Dom Helder chamava de Minorias Abraâmicas, construtores da nova sociedade, homens e mulheres que se engajam, querem e veem a necessidade de transformação da realidade de injustiça, aqueles e aquelas, que diante de toda dificuldade, ficam "esperando contra toda esperança". DOM HELDER VIVE!

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